
Não é fácil acompanhar o ritmo das transformações nos meios de pagamentos dos consumidores em todo o mundo. Menos dinheiro em espécie e transações cada vez mais digitais, principalmente após o advento da pandemia – de acordo com dados da Abecs, as transações por meio digitais movimentaram R$ 22,7 bilhões entre janeiro e setembro de 2020, um aumento de 478% em relação ao mesmo período de 2019.
Apenas no terceiro trimestre de 2020, comparado a igual intervalo do ano anterior, a modalidade cresceu 622,5% com movimento R$ 14,4 bilhões. E a ordem do dia, tanto dos empresários quanto dos clientes, é por formas mais simples e convenientes de promover os pagamentos. Raciocínio acompanhado pelo desempenho do Pix, sistema de pagamento instantâneo lançado em novembro de 2020 pelo Banco Central do Brasil. Em pouco mais de dois meses, segundo a instituição, o total de chaves cadastradas no Pix atingiu 159,38 milhões. O total de cadastrados superou a marca dos 65 milhões em janeiro e o de transações foi de 200,24 milhões no mesmo período.
Tamanha disrupção tem levado instituições financeiras a revisar seus modelos de negócios para permanecerem relevantes e lucrativas. Em uma entrevista ao nosso blog, David Chance, VP de Estratégia de Produto e Inovação, e Andrew Foulds, Diretor Global de Plataformas Empresariais de Pagamento, ambos da Fiserv, ajudam a entender o que tem direcionado as transformações nas formas de pagamento e quais as estratégias que instituições financeiras precisam considerar nesse ambiente de mudanças constantes.
Como estão evoluindo as expectativas dos consumidores em relação a formas de pagamento?
Chance: Os consumidores esperam experiências simples e intuitivas na hora de realizar seus pagamentos. Na Europa, estamos vendo uma mudança do uso de cartões para pagamentos instantâneos, avanço do Open Banking e novos serviços como os pagamentos digitais (os push payments), uma nova experiência totalmente contactless. Todos oferecem conveniência e velocidade - com custos e riscos baixos. Para os comerciantes, a mudança tem proporcionado taxas de administração mais baixas e melhora no fluxo de recursos.
A pandemia da COVID-19 acelerou a evolução dos métodos de pagamento. No Reino Unido, especialmente, há uma queda significativa nos saques em caixas eletrônicos e uma mudança para meios de pagamento digitais, sem contato. Como não há mais limites para as transações, consumidores podem agora realizar todas as suas compras da semana utilizando opções contactless e mobile como Apple Pay e Google Pay.
Serviços como os pagamento instantâneos, Request To Pay e Open Banking podem atuar em conjunto para proporcionar uma experiência aos consumidores similar aos meios de pagamento tradicionais. Por exemplo: um cartão de crédito ou débito pode ser utilizado para autenticação e autorização após receber um Request to Pay. Então o comerciante pode iniciar um pagamento digital, via transferência junto à instituição financeira, em nome do consumidor, utilizando Open Banking.
Foulds: A pandemia também está acelerando o movimento para uma sociedade cashless, que não usa mais dinheiro em espécie - uma mudança que provavelmente será permanente para as próximas gerações. O caminho é de inovações cada vez mais rápidas nos modos que comerciantes e consumidores interagem, pagam e recebem.
Além disso, formuladores de políticas públicas, instituições de regulação do sistema financeiro e governos estão trabalhando para reduzir o uso de dinheiro em espécie para ampliar arrecadação tributária e contribuir para o combate ao financiamento de atividades terroristas e criminais.
Qual o real efeito desse movimento para pagamentos instantâneos?
Foulds: Pagamentos em tempo real estão crescendo dentro do setor corporativo, o que significa que instituições financeiras precisam estar disponíveis 24 horas por dia e 7 dias por semana para movimentar os negócios. Métodos tradicionais, tais como solicitar para que empresários forneçam as orientações de pagamento no primeiro horário da manhã para serem processadas no final do dia, não são mais relevantes em face das novas demandas corporativas. Da mesma forma, a concessão de crédito precisa acontecer no momento da solicitação, ao invés de uma semana depois, após a equipe do banco realizar toda a análise de risco.
Para ganhar eficiência o foco das instituições está em gerenciar sua liquidez e em planejamento. Até mesmo pequenas corporações estão trabalhando para compreender melhor os seus fluxos de recursos. Em vez de realizarem todos os seus pagamentos de uma só vez, como podem gerenciar e melhorar o fluxo de recursos para pagamentos instantâneos, just-in-time? Por exemplo, funcionários que trabalham por diárias, exigem pagamentos imediatos pelos seus serviços.
Chance: O gerenciamento de risco para concessão de crédito e serviços de planejamento para o fluxo de recursos estão levando os métodos de pagamento instantâneos para além do mundo dos consumidores. Disponibilidade permanente exige o mesmo nível de suporte organizacional para liquidez, tomada de decisão para concessão de crédito e serviços de tesouraria.
Isso só pode ser alcançando com uma profunda revisão na forma como os bancos operam. Por exemplo, utilizar inteligência artificial e aprendizado automatizado para analisar todas as informações disponíveis é fundamental para pagamentos internacionais, que exigem a inclusão do idioma local e do conjunto de caracteres.
Como e por que essa mudança para uma abordagem mais centrada no consumidor está acontecendo?
Foulds: Consumidores e empresários não estão interessados em como os meios de pagamento funcionam tecnicamente. Eles querem saber como eles podem pagar e se seus pagamentos estão sendo recebidos. O foco tem que ser na experiência do usuário. É nesse ponto onde as fintechs se sobressaem, monetizando informação ao transformar dados em produtos e serviços.
Alcançar conformidade às regras de pagamentos e processos de compensação, ao mesmo tempo em que se adaptam aos novos modos de envios de mensagens com a adoção da ISO 20022, são caros e complexos. Instituições financeiras precisam avaliar se possuem habilidade e ferramentas para alcançar essas novas metas. Trabalhar em parceria com a fintech certa pode ajudar a atender as obrigações de conformidade e explorar oportunidades para adicionar valor ao consumidor por meio dos dados que serão gerados por meio das mensagens que farão parte da ISO 20022.
Chance: Toda instituição financeira precisa se perguntar: a nossa organização quer estar presente no mercado de meios de pagamento ou há alternativas de oferecer aos clientes o que eles precisam? O mundo dos meios de pagamentos está se transformando em um marketplace lotado de novos players, incluindo startups e fintechs. Para melhor atender seus clientes, as instituições financeiras precisam começar a olhar para os serviços de gestão de pagamentos como política de atendimento.
Como as instituições financeiras podem decidir se terceirizam ou verticalizam os serviços de gestão de pagamentos?
Chance: Os pagamentos formam um pilar estratégico ou apenas suportam outras partes do negócio? Baseado nessa resposta e nos planejamentos estratégicos, instituições financeiras podem trabalhar com um parceiro tecnológico para implementar internamente ou na Nuvem ou considerar serviços de gestão externos.
Foulds: Por exemplo: um banco especializado em crédito não precisa necessariamente de um time completo de gerenciamento de métodos de pagamentos. Pode, no entanto, escolher um parceiro para processar os pagamentos, o que vai reduzir as preocupações em ampliar estruturas para acompanhar o aumento no volume de transações.
Há inúmeras vantagens em trabalhar com processadores de infraestrutura de pagamentos, incluindo maior agilidade, menor risco, mais resiliência e a capacidade de enfrenar sanções e fraudes devido ao volume e escala das transações. A consolidação de modos diferentes de pagamentos e seus processos centralizados em uma única plataforma permite às instituições capacidade de crescimento, maior eficiência entre organizações e agregar valor aos serviços prestados ao consumidor com uma visão única para todos os tipos de pagamentos.
Diante da aceleração na evolução dos meios de pagamento e das transformações digitais, instituições financeiras podem avaliar seus modelos de operação e papel geral dos meios de pagamento em suas estratégias de crescimento para, dessa forma, segui-las da forma mais assertiva.